Por Filipe Vilicic*
Neste blog já falei de vício, assim como da busca pela perfeição, ambos elementos tão característicos do Instagram. Mais do que isso, essenciais para criar essa atração magnética por checar a timeline, stalkear perfis alheios, exibir-se em selfies, curtir, comentar, explorar. Resta, porém, uma questão anterior a essas: o que nos leva a entrar nesse jogo do Instagram?
O renomadíssimo teórico francês André Bazin, homenageado pelo cineasta François Truffaut em Les 400 Coups (Os Incompreendidos, de 1959), vislumbrava “funções mágicas” nas artes plásticas. Destacavam-se, na modernidade, a fotografia e o cinema. Bazin, no livro Ontologia da imagem fotográfica, de 1958, observa como, pela produção e disseminação de imagens, praticamos a “necessidade incoercível de exorcizar o tempo”, a “necessidade primitiva de vencer o tempo pela perenidade da forma”. Escapamos assim de uma segunda morte. Nossos rostos em fotos e vídeos ficam para a posteridade como múmias feitas de tecidos virtuais.
Bazin morreu em 1958, tão antes de Facebook, Twitter e Instagram tomarem nossas vidas. Só que não é assustador perceber como o que ele escreveu há mais de seis décadas ressoa hoje? Pensemos juntos. Por que postamos no Instagram? Se não para perpetuar pela eternidade versões imagéticas de nós mesmos. Deixar como marca nossa perspectiva de mundo, de como vimos uma manifestação política nas ruas da cidade, de como passamos bons momentos com a família, de como somos “boas” pessoas por termos aquela selfie tirada enquanto fazíamos trabalho voluntário.
Os pensadores mais potentes são os capazes de firmar ideias que sobrevivem antes, durante e após a morte. O “complexo da múmia” de Bazin tem essa força. Se há cento e tantos mil anos nossos ancestrais gravavam desenhos nas cavernas, era na esperança de perpetuar as histórias vividas para além de suas próprias mortalidades. Pinturas, livros, esculturas foram feitas pelo mesmíssimo motivo. Fotografias e filmes, idem. Stories, selfies, #tbts, também.
Pode não se tratar de ato consciente, na grande maioria das vezes. Mas eis oprimeiríssimo motivo de se postar no Instagram: esperar que o mundo não se esqueça de nós após nossa morte.
Não é qualquer imagem que queremos deixar de lembrança. Como escrevi no texto anterior deste blog, busca-se o “instagramável”: “Ser instagramável é, portanto, tentar ser perfeito(a). Na rede, quem não chega lá é instigado(a) a se esforçar para tentar imitar. Mesmo que isso os esgote.”
Por isso os filtros são ferramentas tão fundamentais para o sucesso do (e no…) Instagram. Como conto no livro O clique de 1 bilhão de dólares, no qual narro a história da criação do Instagram pelo brasileiro Michel “Mike” Krieger (cuja segunda edição, atualizada e exclusiva em e-book, acaba de ser lançada pela Intrínseca), antes de contar com os filtros, o aplicativo, que então estava em testes com o nome de Burbn, não agradava. Se fosse lançado daquele jeito, os próprios fundadores achavam que se pareceria demais com qualquer outro similar na App Store. O que mudou o jogo foi a ideia dos filtros, que surgiu em uma conversa entre o outro criador do Instagram, o estadunidense Kevin Systrom, e sua então namorada (hoje esposa), em uma praia paradisíaca no México.
Essa ferramenta permite tornar qualquer imagem um pouco mais instagramável. Ajudou a moldar o mundo dos instagrammers e do Instagramism – “o luxo de fazer absolutamente nada enquanto se está em um lugar perfeito, perfeitamente vestido, com um drinque perfeito, sozinho ou com um amigo perfeito”, como descrito pelo teórico de novas mídias Lev Manovich. Outro motivo pelo qual usamos tanto o Instagram é, portanto: o esforço de desenhar uma imagem perfeita (mesmo que falsa) de nossas vidas.
“De todas as características da natureza humana, a inveja é a mais desafortunada. O invejoso não só deseja a desgraça, como é rendido à infelicidade”, escreveu Bertrand Russell em A conquista da felicidade, em 1930. Teria o filósofo dito o mesmo perante o Instagram?
Em 2013, escrevi uma reportagem para a revista Veja sobre um estudo das universidades Humboldt e Técnica de Darmstadt, ambas na Alemanha, que investigava quais eram as emoções mais despertadas nas redes sociais. A campeã não foi uma surpresa: a inveja. Há 7 anos, um quinto das pessoas ouvidas para a pesquisa apontavam o Facebook como a principal fonte de inveja em suas rotinas. O Facebook, especificamente.
No ambiente digital, tendências como essa só aumentam em magnitude. Basta refletir sobre nossas próprias experiências no Facebook, no Twitter, no Instagram, no TikTok para, se formos minimamente autocríticos, notarmos a inveja (a nossa e a alheia) nesse jogo de posts, curtidas, comentários e compartilhamentos. Se, consciente ou inconscientemente, despertamos nas redes sociais a característica mais desafortunada da natureza humana, quer dizer, é claro, que alimentamos esse sentimento de quem “deseja a desgraça”.
É óbvio o abismo que há entre a sempre dura realidade de nossas vidas e as cenas instagramáveis exibidas na vitrine do Instagram. Somos, entretanto, iludidos. A ilusão nos leva a causar inveja nos outros, admirados com a “perfeição” alheia, corroídos pelo dia a dia “não perfeito” encarado na vida real. Do choque desse real com o virtual sempre filtrado, nasce a inveja. Eis aí outro motivo para estarmos no Instagram: causar e ter inveja.
A lista de razões para querer participar de uma rede social poderia se estender por páginas, páginas e mais páginas. O ponto central é que o Instagram, assim como o Twitter, o Facebook, o TikTok, mexe com nossos instintos mais primários. O medo da mortalidade, o narcisismo, a inveja. Isso na ótica do, digamos assim, crítico, quiçá pessimista. Afinal, também estamos no Instagram por bons motivos.
Outras das razões, das mais óbvias: para nos expressar; para nos rebelar; para defender bandeiras; para questionarmos até o próprio instagramável; para nos reunirmos em torno de tribos; para que não sejamos esquecidos por quem amamos e por quem nos ama.
Qual é o futuro do Instagram? A mortalidade pega todos, e tudo. Redes são conhecidas por entrarem em curto-circuito depois de ultrapassarem um limite crítico de conexões. Formigueiros funcionam assim, sabia? E também os neurônios do cérebro. As ligações gravitacionais entre planetas e estrelas em uma galáxia. Redes sociais seriam diferentes?
Algumas sucumbiram não só diante dessa fronteira, como frente a rivais. Quem se lembra do MySpace? Do Orkut? Será que o Instagram cairá frente a um rival, como o TikTok? Ou a ruína virá por não se aguentar mais o ruído causado pela população de 1 bilhão de usuários do aplicativo? Pode ser que nem um, nem outro. E que o Instagram sobreviva a esses e a muitos outros desafios.
De uma coisa podemos ter certeza: o Instagram, criado por um brasileiro, dita o comportamento, a cultura, a política, as artes deste início de século. Dessa forma, é o próprio Instagram que causou e continua a causar um impacto que certamente se estenderá para além de sua história (seja ela curta ou longa).
@elizabeth_dulko @anna_giu